Comissão da Verdade vai pedir reparação pelos 500 anos de exclusão das populações negras

Relatório parcial da Comissão Estadual da Verdade da Escravidão Negra servirá de base para a proposição de políticas públicas em benefício dessas populações no RJ e no resto do Brasil

O relatório parcial da Comissão Estadual da Verdade da Escravidão Negra no Brasil, que foi apresentado nesta quarta-feira (9/12) na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no Rio de Janeiro, recomenda que o governo do Estado, assim como o federal, faça um pedido formal de desculpas pelo crime praticado no passado de exploração dos negros. O documento, que traz uma nova abordagem sobre a escravidão na então capital do Império brasileiro derruba mitos consolidados nos livros de história e servirá de base para a construção de políticas públicas em benefício das populações negras.

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“Estamos constituindo as bases jurídicas para pedir as reparações, políticas públicas que beneficiem e reparem esses 500 anos de exclusão das populações negras”, explicou o presidente da Comissão Estadual da OAB Marcelo Dias. De acordo com ele, a partir do próximo ano, a Comissão irá discutir com o governo federal e do Rio de Janeiro formas de reparação para os 350 anos de escravidão e pelos últimos 127 anos, em que a população negra permaneceu excluída. “A escravidão acabou, mas a população negra no Brasil continua excluída de todos os poderes constituídos e dos melhores setores do mercado de trabalho e da educação”, criticou.

De acordo com o procurador do Ministério Público do Trabalho no Rio de Janeiro (MPT-RJ) Wilson Prudente, relator do documento, é preciso que o Estado Brasileiro, o Português, o do Rio de Janeiro e a Igreja reconheçam oficialmente a responsabilidade que tiveram pela prática da escravidão e façam um pedido formal de desculpas. “Estamos propondo que os governos e o Vaticano reconheçam a participação oficial nesse crime de escravidão, genocídio e lesa à humanidade em desfavor das populações africanas”, afirmou Prudente. No caso do Brasil e do Rio de Janeiro, os relatórios nacional e regional recomendam que seja emitido um decreto, ou enviado projeto de lei ao Legislativo, em que conste o pedido de desculpas pelos 350 anos de escravidão.

Além disso, as Comissões recomendam que o governo brasileiro ratifique a Convenção A-68 da Organização dos Estados Americanos (OEA) sobre discriminação racial e intolerâncias correlatas. A Convenção Interamericana Contra o Racismo, Discriminação Racial e Formas Conexas de Intolerância foi aprovada pela assembleia da OEA, em 2013, na Guatemala, e prevê que todos os espaços de poder reflitam a composição étnica racial da sua população. “Por exemplo, a Suprema Corte no Brasil é constituída de 11 membros, todos brancos, não temos nenhum representante de uma população que representa - de acordo com o IBGE - mais de 50% dos brasileiros. No Senado temos 81 senadores sendo que apenas dois se reivindicam negros. Precisamos ter políticas no Brasil para que a gente integre esses espaços”, concluiu Dias.

Para o coronel da Polícia Militar do Rio de Janeiro, Ibis Silva Pereira - que firmou termo de cooperação com a Comissão Estadual, para fornecer acesso a documentos históricos da instituição – a definição de políticas públicas voltadas às populações excluídas e à redução da desigualdade social refletem diretamente na redução dos índices de violência. Segundo ele, hoje um brasileiro é refém de homicídio a cada 10 minutos, sendo que 80% dessas vítimas são negros, pobres e moradores da periferia. “Isso, em pleno século XXI ainda é herança da escravidão, de uma sociedade que tem mentalidade de senhor de engenho”, argumentou. O temo assinado com a Polícia permitirá ao grupo ter acesso a documentos do ano de 1831 relativos à área de segurança do período, que fazia referência aos escravos.

História - O relatório estadual da Comissão da Verdade da Escravidão Negra tem 316 páginas e traz, segundo Prudente, a “desmitologização da escravidão na linha do tempo, que sempre esteve envolta por uma cortina de fumaça”. O trabalho foi feito com base em documentos históricos, visitas a comunidades quilombolas, terreiros de candomblé e umbanda, além de cinco audiências públicas realizadas em Cabo Frio, São João do Meriti, Engenheiro Paulo de Frontin, Petrópolis e Campos dos Goytacazes e sete reuniões que reuniram cerca de 1.000 pessoas.

“Pela primeira vez os oprimidos falam com sua voz e escrevem com sua própria tinta”, destacou Prudente. Segundo ele, o relatório derruba o mito, por exemplo, de que os negros comercializados no Brasil e em Portugal já eram escravos na África. “Eles eram reis, rainhas e príncipes, governantes no continente africano, que foram escravizados pelas forças das armas e não por terem cultura ou religião inferior. Essa história precisa ser contada”, complementa Dias. A ideia do grupo é que o documento seja transformado em livro didático a ser distribuído nas escolas do Rio de Janeiro, e que, a partir dele, seja criado um curso sobre a escravidão.

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