Mulher que manteve empregada doméstica idosa em regime de trabalho análogo à escravidão por 38 anos é condenada a pagar indenização de R$500 mil à vítima, além de outras verbas trabalhistas

Idosa foi resgatada em janeiro de 2021 durante força tarefa com foco no combate ao trabalho escravo

O Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (TRT/RJ) condenou a mulher que manteve trabalhadora doméstica em regime de trabalho análogo à escravidão por 38 anos a pagar à vítima multa por dano moral individual, no valor de R$500 mil reais, e indenização por danos materiais no importe mensal equivalente ao valor que seria devido à vítima pela aposentadoria por idade, entre 22/12/2017 e o trânsito em julgado da sentença.

O resgate da trabalhadora ocorreu em janeiro de 2021, no bairro da Abolição, Zona Norte do Rio de Janeiro, e foi realizado pelo MPT-RJ, em conjunto com diversos órgãos federais, durante força-tarefa realizada nacionalmente, com foco no combate ao trabalho escravo. A idosa, à época com 63 anos, foi encontrada dormindo em um quarto sem energia elétrica e com seus pertences armazenados em uma caixa de papelão.

O MPT-RJ ajuizou Ação Civil Pública em face da ré requerendo a quitação das verbas rescisórias, o pagamento de uma pensão mensal até o julgamento definitivo e a restituição dos valores desembolsados pelo Projeto Ação Integrada no resgate da vítima. Além da condenação da empregadora ao pagamento de indenização por danos morais individuais à vítima e por dano moral coletivo.

RESGATE

O resgate se deu no bojo da atuação da Força Tarefa do Grupo Móvel de Combate e Erradicação ao Trabalho Escravo. A operação foi realizada em conjunto pelo MPT e Auditores Fiscais da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego. Contou, também, com a participação de assistente social e psicóloga, do Projeto Ação Integrada, desenvolvido pelo MPT-RJ em parceria com a Cáritas Arquidiocesana do Rio de Janeiro.

A partir de denúncia apresentada no serviço "Disque Direitos Humanos"/"Disque 100", a idosa foi resgatada no dia 25 de janeiro de 2021. Muito magra e com sinais de desnutrição, a trabalhadora informou à assistente social que não tinha livre acesso a alimentos e água potável e que a empregadora jogou fora seus pertences, nos quais havia anotações particulares onde constavam contatos de seus parentes. Segundo relatos de vizinhos, vivia sob constantes maus tratos, violência física, e realização de trabalhos exaustivos, sob o sol, absolutamente incompatíveis com sua idade e porte físico.

Segundo apurado, à exceção do primeiro ano do contrato, a trabalhadora nunca tirou férias e nunca visitou sua própria família. Houve pagamento de salários apenas nos primeiros anos, porém, no final da década de 1980 passou a laborar sem remuneração definida, exclusivamente com um "dinheirinho" para que a trabalhadora pudesse comprar "bala", "biscoito recheado" e "doce". A vítima também não manteve relações de amizade ou outros laços sociais durante os anos de trabalho.

Na inspeção, foi constatado que a trabalhadora era obrigada a catar latas de alumínio nas ruas, com o objetivo de vendê-las e reverter o dinheiro obtido à ré, que é professora assistente em regime de dedicação integral em uma universidade federal do Estado do Rio de Janeiro. Também foi verificado que a empregadora sacou os valores do auxílio emergencial da trabalhadora, apropriando-se deles de forma indevida.

A trabalhadora resgatada foi levada para um hotel, com o custeio de medicamento, roupas, transporte e alimentação, mediante utilização de verbas provenientes do Projeto Ação Integrada, mantido pelo MPT-RJ, e, posteriormente, foi transferida para um Centro de Acolhimento da Prefeitura.

DECISÃO

Na decisão, o juiz do Trabalho, Nikolai Nowosh, declarou a existência de relação de emprego entre a trabalhadora e a empregadora, na função de empregada doméstica, com remuneração equivalente ao salário-mínimo, no período de 38 anos (de 01/01/1983 a 25/04/2021), determinando assim que a ré pague à vítima, com juros e correção monetária: férias, acrescidas dos respectivos terços, relativas a todos os períodos concessivos vencidos no curso do contrato com incidência da dobra legal sobre as férias; salários vencidos de todo o contrato e as gratificações natalinas de 1983 até 2020; as parcelas rescisórias referentes aos 90 dias de aviso-prévio indenizado; saldo de 25 dias de salário de janeiro/2021; férias, acrescidas do terço constitucional, mais 4/12 de férias proporcionais, relativas ao período concessivo em curso à época da extinção contratual; e 4/12 da gratificação natalina de 2021.

A empregadora deverá realizar o recolhimento da integralidade dos depósitos fundiários relativos ao pacto laboral, a partir da vigência da Lei Complementar nº 150/2015, e pagar a indenização de 40%, por meio de GFIPs, sob pena de execução pelo importe equivalente. Além disso, a sentença determinou também o pagamento, ao "Projeto Ação Integrada", do valor relativo às despesas efetuadas com hotel particular após o resgate da trabalhadora, no importe de R$3.513,09.

O juiz ainda ratificou, tornando definitiva, decisões anteriores que determinaram: a manutenção da retenção de 15% dos vencimentos recebidos pela ré no exercício da função de professora; a restituição da CTPS e a carteira de vacinação da trabalhadora, bem como dos demais documentos da ex-empregada que eventualmente estejam no poder da ré, no prazo de 5 dias úteis, contados da ciência desta decisão, sob pena de multa, no valor único de R$10 mil; e o arresto de imóvel pertencente à empregadora.

Na sentença, o juiz também determinou o pagamento de indenização por dano moral coletivo, no valor de R$300 mil, a ser revertido em benefício da sociedade, destacando que “a perniciosa prática constatada reabre feridas históricas oriundas do sombrio período da escravidão institucionalizada, criando inaceitável mácula às conquistas sociais alcançadas ao longo de décadas. Não é demais ressaltar que a abominável conduta patronal caminha no sentido do injustificável retrocesso social, donde se extrai o dever de indenizar a coletividade pelos ilícitos praticados”.

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