Para procuradora, trabalho escravo é causado pela ganância de empregadores

O trabalho escravo contemporâneo é recorrente no Brasil devido à ganância excessiva dos empregadores. A afirmação é da procuradora do Ministério Público do Trabalho no Rio de Janeiro (MPT-RJ) Guadalupe Louro Turos Couto. Em entrevista à AMATRA1, a representante do estado na Conaete (Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo) contou casos emblemáticos de resgate de trabalhadores no Rio.

A procuradora também falou sobre a definição de trabalho em condições análogas às de escravizados e ressaltou não ser preciso ter todos os elementos característicos da prática para que certa ação seja configurada como trabalho escravo. “Além disso, não existe apenas no meio rural, mas no meio urbano também”, disse.

Desde 2001 atuando em defesa da erradicação do trabalho escravo, Guadalupe destacou a importância da atuação conjunta do MPT com outras instituições envolvidas nessa luta, como o Poder Judiciário e o Ministério da Economia.

AMATRA1: Como define o trabalho escravo contemporâneo?

Guadalupe Turos: Os elementos que caracterizam o trabalho escravo contemporâneo são as jornadas exaustivas, condições degradantes, servidão por dívida e trabalho forçado. A jornada exaustiva exige esforço além do necessário para o número de horas trabalhadas como, por exemplo, a situação de alguns cortadores de cana. As condições degradantes são as que não observam condições mínimas de conforto e higiene, e ferem a dignidade do trabalhador. Nesse caso, tem-se o não fornecimento de água potável, alimentação adequada e equipamentos para o trabalho. A servidão por dívida consiste em o trabalhador assumir dívidas com o empregador. Pode acontecer pela existência do sistema truck system, em que o trabalhador não tem condição de ir ao mercado local e é obrigado a comprar mantimentos com o próprio empregador. E o trabalho forçado surge quando o trabalhador tem a liberdade cerceada, mesmo tendo iniciado espontaneamente. Um exemplo é a retenção de documentos pelo empregador. É importante lembrar que esses elementos não precisam estar juntos para o caso ser definido como trabalho escravo; basta um deles. Além disso, não existe trabalho escravo apenas no meio rural, mas no meio urbano também.

A: Por que o trabalho escravo ainda é uma prática recorrente no Brasil?

GT: É recorrente porque os empregadores são gananciosos e querem ter mais lucros. Se pagassem corretamente os trabalhadores seguindo a legislação trabalhista, não ganhariam tanto. Além da ganância excessiva, o empregador têm, também, a falsa certeza de impunidade — acha que nada acontecerá​, que não terá punição.

A: Quais são os setores mais vinculados ao trabalho escravo no Rio de Janeiro?

GT: Na área urbana do Rio de Janeiro, tivemos grande foco de resgates em comércios, especialmente em pastelarias envolvendo trabalhadores chineses, e no setor de construção civil. No meio rural, a incidência foi no setor sucroalcooleiro.

A: Qual é o objetivo do Conaete do MPT?

GT: A coordenadoria tem por objetivo orientar sobre as diretrizes de atuação por meio do planejamento das ações para a erradicação do trabalho escravo.

A: Como funciona a atuação da coordenadoria?

GT: Atuamos nos eixos de prevenção, de repressão e de atendimento às vítimas. Na prevenção, temos campanhas educativas e de esclarecimento da sociedade. No eixo repressivo, temos as investigações com as respectivas condenações. No eixo de atendimento à vítima, estamos desenvolvendo uma política pública por meio da Ação Integrada, que visa orientar e capacitar o trabalhador resgatado. Com o projeto, ele pode escolher um curso e, com recursos de ações trabalhistas, recebe um salário mínimo. Assim, o trabalhador pode ser reinserido no mercado de trabalho de forma qualificada. Essa iniciativa só é possível pela parceria entre as instituições envolvidas nesta luta — Ministério da Economia, MPT e o Poder Judiciário.

A: Durante o período em que integra o Conaete, quais foram os casos mais desafiadores que presenciou?

GT: Tiveram dois casos que me impactaram muito. O primeiro foi o de um trabalhador chinês em jornada exaustiva e condições degradantes. Ele trabalhava mais de 12 horas por dia e, quando o empregador percebeu que não estava mais rendendo com a mesma força de antes, passou a torturá-lo. Os vizinhos denunciaram, a polícia o retirou do local e o encaminhou ao hospital, onde ficamos por dois dias seguidos colhendo depoimentos, já que o trabalhador chinês falava apenas mandarim. O empregador foi condenado na Justiça do Trabalho a oito anos de prisão pelo trabalho escravo e pela tortura. Isso mexeu muito comigo porque era um menino novo que veio ao Brasil em busca de uma nova vida. O outro caso foi o de um grupo de modelos trazidos ao Rio de Janeiro com a promessa de trabalhar na televisão. Eles não eram pagos e tiveram os celulares confiscados para evitar a denúncia. Esse caso mexeu comigo porque os jovens foram atraídos por falsas promessas. Eram meninos que queriam ser famosos e foram enganados. Conseguimos a condenação na Justiça do Trabalho e na Justiça comum.

A: De que forma é possível denunciar o trabalho escravo?

GT: É possível denunciar por meio do disque 100, voltado a colher denúncias contra violações dos direitos humanos; pelo site do MPT-RJ; e pelo número 0800-0221-331. As denúncias também podem ser feitas pessoalmente, na Procuradoria Regional do Trabalho.

Fonte: Amatra

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