O Uber, os táxis e a exploração dos motoristas

Em artigo publicado no Jornal O Dia, o procurador do trabalho do MPT-RJ Rodrigo Carelli analisa os direitos trabalhistas de motoristas do aplicativo e as consequências da deterioração do modelo de táxi autônomo no Brasil. Veja abaixo a íntegra do artigo.

Precisamos falar sobre o Uber. O Uber não é um aplicativo. O aplicativo é um instrumento do Uber, que é uma empresa de transporte de passageiros, oferecendo seus serviços de transportes, por intermédio de motoristas cadastrados, a clientes. Os clientes, no caso, são do Uber.

No Brasil, a forma de transporte público não coletivo sempre foi o táxi autônomo. Este modelo foi aos poucos deteriorado pelo comércio e acumulação de "autonomias" por verdadeiros empresários, que exploram a mão de obra de taxistas sem reconhecimento de vínculo empregatício, sob a proteção ou conivência do poder público. Alguns verdadeiramente autônomos sobrevivem, mas a forma usual é o trabalho de motoristas com pagamento de “diárias” a “donos” de concessões públicas. O motorista já começa seu dia de trabalho devendo ao dono da “autonomia”.

A exploração do trabalho no Uber é ainda pior. O Uber é, na prática, a forma mais completa do novo modelo de exploração de trabalhadores, no qual o controle se dá por programação, inputs e outputs. O Uber, empresa, controla o tipo de carro, a forma de conduzir, modo de se portar, uniforme e a tarifa a ser cobrada. Tem total controle dos trabalhadores por meio do sistema de “cenouras e porrete”, ou seja, por meio de prêmios e castigos. Controla o quantitativo de mão de obra disponível, por meio de premiações para o trabalho em momentos de pouca oferta. A faceta do porrete também se apresenta: os trabalhadores não podem negar corridas e são desligados do sistema se não obtiverem certa nota pelos clientes do Uber.

Em poucas palavras: os trabalhadores do Uber são seus empregados, porém o Uber não os reconhece como tal, desobrigando-se de seus deveres como empregadores. A candidata a presidente dos EUA, Hillary Clinton, já criticou publicamente o modelo de exploração dos trabalhadores pelo Uber, acusando-o de burla à lei. Cortes judiciais californianas já vêm reconhecendo o vínculo empregatício dos motoristas com o Uber e em vários locais da Europa vem sendo proibido de atuar por entender que a empresa pratica  preços abaixo do custo para destruir a concorrência.

Aqui no Brasil, encontrando um sistema completamente desvirtuado, que apresenta sérios problemas de qualidade devido à falta de regulação séria, o Uber rapidamente ganha adeptos. A prestação de serviços é melhor porque é mais controlada, mais organizada, mas não há como se afastar que atua na completa ilegalidade, tanto em relação ao serviço que presta, quanto às suas relações com os motoristas. Após desmantelarem o sistema de táxi, por meio da imposição de preços abaixo do custo, vão dominar o transporte de passageiros impondo condições cada vez piores aos motoristas, e sem controle da sociedade da qualidade de serviços e das tarifas do transporte. Logo veremos nas ruas manifestações de motoristas de Uber, pelas condições exploratórias a que são submetidos.

Caberia ao Município aproveitar o momento e regular as concessões dos táxis, tornando-as novamente terreno de trabalhadores autônomos, com controle de qualidade pelas autoridades públicas, e regulamentar o Uber, bem como as outras empresas que já estão surgindo com o mesmo modelo, dando-lhe a possibilidade de atuar como sistema concorrente, desde que sejam respeitados os direitos trabalhistas dos motoristas e que os preços sejam controlados. Fica, no entanto, uma pergunta: será que alguém no negócio quer mesmo que se regule para um serviço público efetivo? Não há mocinhos na história; mas vítimas, temos aos montes: os cidadãos e os motoristas, de um lado e de outro.

*Rodrigo de Lacerda Carelli é Procurador do Trabalho e Professor de Direito do Trabalho da Faculdade Nacional de Direito - UFRJ

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